Artigo de Merval Pereira, publicado originalmente no jornal O Globo, e reproduzido aqui a partir da publicação no site do Insituto Millenium. Para acessar esta publicação, clique aqui.
22 de junho de 2011
Autor: Merval Pereira
22 de junho de 2011
Autor: Merval Pereira
Não terá sido por acaso que no espaço de poucos dias o governo federal decidiu por medidas restritivas, em dois casos de repercussão nacional, com o objetivo de impedir, por razões diversas, que a sociedade se inteire de informações que estão sob o controle do Executivo.
O cerne da questão é sua tendência controladora e autoritária, uma continuidade do estilo implantado pelo antecessor e tutor político, que sempre se incomodou com os órgãos de controle externo, seja o Tribunald e Contas da União ou o Tribunal Superior Eleitoral nas campanhas políticas.
A manutenção do chamado “sigilo eterno” para alguns documentos oficiais é uma afronta, sobretudo, à sociedade, submetida a conviver com uma “História oficial” que muito pouco tem de verdadeira.
A mudança de opinião da presidente Dilma Rousseff, que antes mesmo de assumir a Presidência da República já defendia, na Casa Civil, a adoção de uma legislação avançada de acesso a documentos públicos, em nome da liberdade de expressão e da cidadania, tem a mesma justificativa utilizada para esconder documentos referentes ao regime militar: podem abrir feridas, causar mais danos do que benefícios.
Como se mentir sobre fatos históricos, ou escondêlos, fosse melhor para o cidadão brasileiro e para a História do país do que conhecer seu passado, em muitos casos para evitar que certos fatos se repitam.
Já a questão do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), com que o governo pretende recuperar o tempo perdido na execução das obras para a Copa do Mundo de 2014, tem mais a ver com a incompetência administrativado que com outra coisa, embora a consequência possa ser mais escândalos de corrupção.
Pode ser coincidência, mas, desde que o país foi anunciado como o organizador da Copa do Mundo, comentava-se que as obras ficariam atrasadas até que, por questões de emergência, os controles fiscalizadores fossem afrouxados, permitindo um lucro maior aos envolvidos nas obras.
Por isso mesmo, foi ridicularizada desde o início a afirmação do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, de que não haveria dinheiro público nas obras da Copa, ficando tudo a cargo da iniciativa privada.
É verdade que há vários tribunais de contas pelos estados e municípios que endurecem muito no processo licitatório, em vez de acompanhar a execução do projeto depois.
O RDC tem o claro objetivo de mitigar o controle, especialmente na fase licitatória, e vai exigir que os tribunais se desdobrem no acompanhamento da execução.
Ontem mesmo o ministro do Supremo Gilmar Mendes, falando em tese, defendeu a modernização da Lei 8.666, das licitações, para que torne mais ágeis os mecanismos de fiscalização. Mas é também fato que para fiscalizar as obras é preciso ter regras fixas, porque há toda uma estrutura montada para esse trabalho, programas de computador, pessoas treinadas.
O primeiro grande inconveniente é exatamente mudar as regras da fiscalização em cima da hora, com as obras todas atrasadas. Na prática, a mudança, se não impede, pelo menos dificulta muito a fiscalização.
Mesmo que fosse para mudar a legislação para melhor, dizem especialistas, teria que haver certo tempo para adaptar a estrutura de fiscalização às novas regras.
A nova legislação também ampliou muito o alcance das novas regras, permitindo que qualquer obra possa ser enquadrada nela, dependendo da vontade do Executivo.
Em vez de se restringir o novo sistema a poucas obras, um hospital, uma estrada, um aeroporto, qualquer obra pode ser considerada importante para a realização da Copa do Mundo, mesmo que não esteja em um estado onde os jogos se realizarão.
Pelas regras atuais, qualquer obra só pode ter seu preço aumentado em 25%, com as explicações necessárias, para evitar abusos.
Agora, sob a nova legislação, o gasto pode ser ampliado sem limites, sob a justificativa de que pode haver uma exigência da Fifa que terá de ser cumprida.
A questão mais polêmica, a cláusula do sigilo do preço básico, está mobilizando até mesmo os principais líderes da base aliada, tendo o presidente do Senado, José Sarney, já dado o sinal para que seja derrubada.
Há países que usam esse sistema, mas não é nossa tradição nem há previsão na Lei 8.666. Especialistas dizem que não há vantagem nesse sigilo, pois o preçobase não é o preço máximo, não sendo proibido reduzir esse preço.
Com o sigilo, a licitação fica sem parâmetros, e a alegação de que ele impede a cartelização é considerada irreal, pois não há como impedir que as empresas envolvidas em uma licitação se acertem antes de apresentar seus preços, e nesse caso serão as empreiteiras que fixarão o preço-base.
O fato é que o RDC afrouxa muito a lei de licitações quando aceita, por exemplo, haver apenas um projeto básico, mesmo quando a empreiteira pode assumir o chamado “contrato global” que não está especificado.
Essa modalidade existe, mas aumenta o risco, a fiscalização fica mais difícil. Se chegar ao fim da obra e der errado, como resolver? Quanto mais cedo há a fiscalização, mais fácil evitar erros.
O inconveniente principal é criar dois sistemas de licitações de obras públicas, tornando muito mais difícil fiscalizá-las.
Fonte: O Globo, 21/06/2011