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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Código Ambiental Internacional

Artigo de Denis Lerrer Rosenfield, publicado originalmente no jornal O Globo e reproduzido aqui a partir da publicação no site do Instituto Millenium. Para acessá-lo, clique aqui.


Denis Rosenfield
O Rio de Janeiro organizará, em 2012, a Conferência da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentável (UNCSD 2012, denominada de Rio+20), em cuja ocasião terá lugar igualmente a Cúpula dos Povos para o Desenvolvimento Sustentável — também chamada de Rio+20. Será, portanto, uma oportunidade de reunião de países, ONGs e movimentos sociais, tendo como objetivo a preservação do meio ambiente. O seu mote é, portanto, uma grande discussão sobre o que a ONU denomina de “economia verde” e de desenvolvimento em “harmonia com a natureza”. A mídia internacional se debruçará sobre esses eventos.
Logo, a oportunidade será única para todos os países levarem a sério o que se propõem, e não fazerem apenas uma mera encenação, que sirva somente para impor regras aos países em desenvolvimento, em particular o Brasil, um dos países que mais conservaram suas florestas nativas. Não deixa de ser estranho que o país mais preservacionista seja o alvo das atenções mundiais, sobretudo dos países desenvolvidos.
Uma proposta simples e singela seria a elaboração de um Código Ambiental Internacional, que fosse seguido por todos os países, a começar pelos EUA e pelos países europeus. O atual Código Florestal e o próximo estipulam que os empreendedores rurais e o agronegócio em geral devem, em todo o país, preservar a vegetação e a floresta nativas de 20% de suas propriedades, chegando a 35% no Cerrado, na zona de transição para a Floresta Amazônica, e de 80% nesta última. Isto se chama de “reserva legal”.
Nesta perspectiva, os EUA e os países europeus deveriam, também, criar o instituto da “reserva legal”, estipulando um percentual mínimo de 20%. Como se trata de países desmatadores, que devastaram suas vegetações e florestas nativas, teriam um belo trabalho de recomposição de seus biomas originários. Meios científicos, tecnológicos e financeiros certamente não faltariam. Seria uma extraordinária contribuição à preservação ambiental, à “economia de verde” e ao desenvolvimento em “harmonia com a natureza”. Não é isso que defendem? Por que não aplicam em seus próprios países?
Imaginem um planeta em que, uniformemente, em todos os Estados, houvesse uma preservação de 20% de suas vegetação e florestas nativas, obrigando os produtores rurais e o agronegócio desses países a renunciarem a essa parcela de suas propriedades. O índice poderia ser, inclusive, maior, dependendo do maior interesse ambiental. Penso que deveriam fazer isto voluntariamente, pois não cansam de defender essa ideia para o Brasil e outros países como a Indonésia. Guardariam a coerência e os seus discursos não seriam meros disfarces. Não esqueçamos que o Brasil preserva, até hoje, 61% de suas florestas nativas, chegando esse índice a pouco mais de 80% na Amazônia. Nos EUA e nos países europeus, esse índice não chega, em média, a 5%. O ganho ambiental para eles, e para o planeta, seria enorme.
O ministro Antônio Patriota, em recente viagem aos EUA, foi obrigado a se explicar junto a um “Think tank” sobre a legislação ambiental brasileira a partir da aprovação pela Câmara dos Deputados do novo Código Florestal. Como assim se explicar? Ele é que deveria pedir explicações para a pouca atenção desse país com suas vegetação e floresta nativas. Deveria perguntar por que os produtores rurais americanos e o seu agronegócio não dispõem da “reserva legal”. Não deveriam criá-la? Têm medo do lobby desse setor americano? Por que vociferam aqui e se calam lá?
Um princípio elementar da ciência consiste na validade universal de suas proposições, que de hipóteses se tornam, então, verdades científicas. Se, por exemplo, a “reserva legal” ganha o estatuto de uma verdade científica, ela não poderia ser válida apenas para o Brasil, mas para todos os países do planeta. A SBPC e a ABC deveriam se engajar junto às suas organizações congêneres nos EUA e na Europa a defenderem a mesma posição, sob pena de estarem a serviço particular de uma causa, em cujo caso não haveria nisto nenhuma ciência, mas tão só um posicionamento parcial e político.
Imaginem o ganho “científico”, se essas entidades congêneres americanas e europeias se engajassem nos mesmos tipos de estudos e, sobretudo, na aplicação de políticas, pressionando os seus respectivos governos e se comprometendo, como fazem no Brasil, junto às editorias de jornais e dos meios de comunicação em geral. Continua sendo um enigma, digamos de maneira polida, a omissão de ONGs e movimentos sociais em relação à preservação do meio ambiente nos países desenvolvidos. Ressalte-se que os ditos movimentos sociais no Brasil são, em sua maioria, patrocinados e financiados por entidades religiosas católicas, protestantes e anglicanas, tendo suas sedes em países como Grã-Bretanha, Canadá, Alemanha e Áustria.
Deveria ser provocada uma grande campanha internacional para a criação de reserva legal ou de conservação de APPs (áreas de preservação permanente) nos mesmos índices dos que são válidos no Brasil. Por que não utilizam, por exemplo, os mesmos critérios para os rios Douro, Sena, Tamisa e Reno? Por que não fazem campanha contra as plantações de tulipas na Holanda e o cultivo de uvas e a produção de vinho em França, Alemanha, Itália e Portugal? No Brasil não se pode cultivar à beira de rios, encostas e topos de morro e lá pode? De onde provém essa parcialidade?
Ressalte-se ainda que algumas dessas ONGs internacionais e, mesmo, nacionais são atuantes nesses países, algumas tendo neles seus escritórios centrais. Ademais, muitos países europeus financiam ONGS brasileiras, o que mostra uma mistura, diria “impura”, entre interesses estatais e atuação ambientalista no Brasil.
A Conferência da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentável e a Cúpula dos Povos para o Desenvolvimento Sustentável, ou seja, o megaevento Rio+20, seriam uma ocasião única para levantar o véu da hipocrisia. Por que não um Código Ambiental Internacional?