Artigo de Dora Kramer, publicado originalmente no Estadão. Para ler o original, clique aqui.
01 de junho de 2011 | 7h 09
01 de junho de 2011 | 7h 09
Dora Kramer
José Sarney recuou da eliminação do impeachment de Fernando Collor da galeria de painéis sobre fatos importantes ocorridos na história do Senado porque não quis abrir espaço às críticas que, percebeu pelas primeiras reações, viriam fortes.
Dada a sua convicção externada no dia anterior sobre a inconveniência de expor tal "acidente" - como definiu o impedimento - continua valendo a crítica. Portanto, vamos a ela.
O mensalão não existiu e o impeachment de Collor não aconteceu. Se porventura há registro dessas ocorrências, senhoras e senhores, esse é um detalhe que não deve ser levado em conta porque não engrandece a História do Brasil.
Quando a gente pensa que o presidente do Senado já esgotou todas as possibilidades de dilapidação da própria biografia, eis que ele se apresenta na plenitude de sua capacidade de superação e desce mais um degrau.
Escritor, bom no ofício de manejar as palavras, resolveu se aventurar no terreno da censura. Uma contradição em termos, não fosse ele na política uma contrafação da persona lhana que construiu para se relacionar com o mundo das ideias.
O caso o leitor e a leitora já conhecem: o impeachment de Collor foi retirado da galeria de painéis, denominada "túnel de tempo", que retratam fatos importantes da história do Senado.
Ato assim justificado pelo presidente da Casa: "Não posso censurar os historiadores encarregados de fazer a história. Agora, eu acho que talvez esse episódio seja apenas um acidente e não deveria ter acontecido na História do Brasil".
Se pudesse, como se vê, censuraria os historiadores. Estando essa hipótese fora de seu alcance, faz o que pode e subtrai do Senado uma parte de sua própria história.
Em nome do quê? De uma cláusula pétrea no regimento do atraso: aos amigos tudo, aos inimigos a lei.
Collor, que fez campanha anarquizando com a figura de Sarney chamando-o de "batedor de carteira da história", agora senador juntou-se à tropa de Sarney como já havia feito Renan Calheiros, seu parceiro da época em que enxovalhar o então presidente era uma via de acesso fácil ao êxito eleitoral.
De onde José Sarney achou por bem se escorar no exemplo de Lula e simplesmente reescrever a História do Brasil a seu modo.
O impeachment de Collor não é, na visão de Sarney, o fato inédito de um presidente interditado dentro da legalidade sem a ocorrência de crise institucional, referido mundialmente como um exemplo de maturidade na recém-reconquistada democracia brasileira.
Passa a ser mero "acidente" a respeito do qual a incorporação de Collor à turma de Sarney impõe o esquecimento.
Aconteceu? Mas não deveria e por isso, de acordo com delírios absolutistas muito em voga, não merece registro.
Sarney já foi merecedor do reconhecimento de seu papel fundamental na transição democrática, mas por suas repetidas iniciativas acaba dando margem a que se considere sua passagem pela Presidência da República como um mero acidente que talvez não devesse ter acontecido.
‘Pratasmente’. A Controladoria-Geral da União alega, para não abrir investigação a respeito do enriquecimento de Antonio Palocci, que a acumulação de patrimônio ocorreu quando o ministro era deputado e não "agente público" conforme definição legal.
É a adoção da jurisprudência estabelecida pela Câmara para livrar mensaleiros de punição: ocorrências anteriores não devem ser levadas em conta na avaliação de mandatos em curso.
Assim como a vida pregressa é parte inalienável da biografia do parlamentar o enriquecimento não se dissocia do ministro. Por um dado indiscutível: não tendo se desfeito do patrimônio, o fato pertence ao presente.
Aeroportos. Problema político nenhum: a oposição não pode ser contra a privatização e o PT não tem compromisso com a coerência.
Este ganha junto ao público com a melhoria dos serviços e aquela perde por não ter defendido suas bandeiras a tempo e a hora.