Artigo de Carlos Alberto Sardenberg, publicado originalmente em O Globo e reproduzido aqui a partir da publicação no Instituto Millenium.
Faz tempo que o governo brasileiro sabe que terá de organizar e patrocinar uma Copa de Mundo e uma Olimpíada. Faz mais tempo ainda que todos sabemos das dificuldades para a obtenção de licenças ambientais para grandes obras. E desde muito mais tempo conhecemos a complexidade e a burocracia do sistema de licitação, contratação e fiscalização de obras públicas.
Havia, pois, uma boa combinação de tempo, oportunidade e necessidade. As obras para os dois grandes eventos eram obrigatórias, já que há amplo consenso sobre sua realização. Praticamente todos concordam que, em tese, será bom para o país sediar uma Copa e uma Olimpíada na sequência. Isso criou a oportunidade de uma boa revisão nos sistemas de licenciamento e licitação, de maneira a torná-los mais eficientes e mais rápidos. E, de novo, estava no prazo. O que acontece hoje, a três anos da Copa? Problemas de licenciamento, projetos, licitação, burocracias, fiscalização do Tribunal de Contas da União, Ministério Público, tudo que se sabia.
Mesmo as obras que parecem estar no prazo apresentam algum problema. A reforma do Maracanã, por exemplo, está sendo tocada pelo governo do Rio com recursos próprios, pois o financiamento do BNDES ainda não saiu. Em outras situações, as companhias construtoras estão financiando o início dos trabalhos, também à espera dos financiamentos públicos e das isenções de impostos.
Isso aumenta custos. Governos e companhias precisam, por exemplo, obter financiamentos de curto prazo no mercado, o que sai bem mais caro. Sem as isenções de impostos, serviços e insumos para as obras também saem mais caros, especialmente porque, como todos sabemos, o ressarcimento será praticamente impossível. Questão: pode-se discutir se a isenção de impostos é correta ou não.
Quer dizer, essa discussão poderia ter sido feita no passado, pois o benefício fiscal faz parte das regras do jogo para esses eventos. Agora, da forma como o processo está em curso, sem as isenções praticamente todos os projetos tornam-se inviáveis.
Tudo considerado, o atraso na legislação e regulamentação dos benefícios — nos três níveis de governo — é mais um fator de atraso e encarecimento. Como se tira o atraso? Atropelando regras, inventando esquemas alternativos. Ou seja, em vez de uma reforma, por exemplo, na legislação ambiental ou da contratação de mais técnicos, teremos pressões políticas para que os órgãos desse setor “não atrapalhem” e/ou não ameacem a imagem do Brasil. Em vez de modernizar a lei de licitações e modificar o papel do TCU, de novo teremos pressões políticas, em nome da pressa.
Houve avanços institucionais em alguns casos. Os estádios de Recife e Salvador estão sendo construídos e serão operados no sistema da parceria público-privada. Nessa modalidade, o governo paga um preço fixo à empresa construtora e operadora. O risco de atrasos ou custos mais elevados é do parceiro privado.
Mas o TCU e os órgãos de fiscalização, não estando habituados ao novo modelo, fazem exigências desnecessárias — o que de novo causa atrasos e aumento de custos.
E assim segue a ciranda. Foram impressionantes a inação e a incapacidade do governo Lula de colocar os eventos em um ritmo forte e seguro. O caso dos aeroportos é o mais visível. O que o atual governo percebeu — que o setor público não tem nem os recursos nem a capacidade para tocar as obras e serviços necessários — estava amplamente demonstrado por analistas independentes desde que o Brasil ganhou o direito de sediar a Copa.
Mas, além do caso dos aeroportos, por toda parte se encontra uma falha de governo — do federal, dos estaduais e dos municipais. Estamos de novo num ambiente bem brasileiro, do quebra-galho.
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O PREÇO DA INFLAÇÃO
Quase todas as categorias de trabalhadores com carteira assinada tiveram ganhos reais no ano passado.
Muitos já estão devolvendo. A inflação vem acelerando nos últimos 12 meses e, assim, ultrapassando os índices de reajuste salarial do ano passado.
As negociações deste ano serão difíceis. De um lado, os trabalhadores olharão para a inflação passada e pedirão a sua reposição. Os empresários olharão para a inflação futura, que deve desacelerar um pouco, e, especialmente, para uma economia mais desaquecida. Nesse ambiente, é mais difícil repassar aumentos de custos.
Mas se a inflação permanecer elevada por muito tempo, como está ocorrendo, estaremos perigosamente nos aproximando de uma espiral salários/preços. Nesta, como já vimos no passado, perdem todos, mas especialmente os trabalhadores. Preços sempre são mais rápidos.
Fonte: O Globo, 16/06/2011