Artigo de Augusto Nunes, publicado originalmente na página do autor em VEJA.com. Para acessá-lo, clique aqui.
20/06/2011
às 19:57No dilmês, essa ramificação degenerada da língua portuguesa que a presidente inventou, a forma é sempre mais reveladora que o conteúdo. O que diz Dilma Rousseff é invariavelmente tão raso que pode ser atravessado por uma formiga com água pelas canelas. O jeito de dizer confirma a cada 10 palavras que o governo brasileiro é chefiado por uma mulher incapaz de produzir uma frase com começo, meio e fim ─ além de inteligível. Hipnotizados pela discurseira inverossímil, os jornalistas às vezes nem percebem que a oradora sem rumo está soltando uma informação que vale manchete.
O fenômeno se repetiu durante a visita a Ribeirão Preto. Nos primeiros minutos do vídeo que registra o palavrório de sexta-feira, Dilma jurou três vezes que a ladroagem sem limites, sem vigilância e protegida pelo sigilo foi abençoada pelo Tribunal de Contas da União. “Esse regime e a lei foram discutidos amplamente pelo governo e com o TCU”, começou a presidente. “Sugiro que as pessoas… os jornalistas que fizeram a matéria que investiguem junto ao TCU”, insistiu. “Não é possível chamar o governo de que está garantindo roubalheira ou qualquer coisa assim”, fingiu indignar-se em seguida. “Isso foi negociado com o TCU!”
A revelação gravíssima não mereceu sequer um canto de página de jornal. Tampouco houve espaço para a nota divulgada na mesma sexta-feira pelo presidente do tribunal, Benjamin Zymler, que transforma os ministros em cúmplices de um ato criminoso. “O Regime Diferenciado de Contratações pode aperfeiçoar o controle de recursos públicos e o andamento das licitações e contratações”, murmurou Zymler, tentando abrandar a confissão de culpa com uma ressalva: o TCU só apoiará oficialmente a malandragem bilionária depois de aprovada pelo Congresso. A Câmara dos Deputados já disse amém. Falta o Senado.
A secretaria de Comunicação do TCU fez um único reparo às declarações de Dilma: nas reuniões com parlamentares governistas encarregados de cuidar do assunto, o tribunal foi representado não pelo presidente, mas por técnicos da instituição. Pior ainda. Os nove ministros, todos nomeados pelo chefe do Poder Executivo, poderiam invocar a ignorância como atenuante. Técnicos no assunto têm o dever de saber que o RDC é só uma sigla para camuflar a vigarice longamente planejada. Não haveria motivos para pressa se os preparativos para a Copa do Mundo tivessem começado no mesmo instante em que o Brasil soube que seria o anfitrião do evento marcado para 2014. (Veja post de maio de 2010).
Uns por inépcia, outros por cretinice, quase todos por se tratarem de corruptos de carteirinha, os pais-da-pátria incumbidos de tocar os trabalhos deixaram as coisas nas mãos de Deus ─ que, além de brasileiro, conversa com Lula todo dia. Passados três anos e meio, os arquitetos do conto da Copa tiraram do armário o instrumento que permite roubar sem sobressaltos. Até um bebê de colo sabe que está em curso o maior assalto aos cofres públicos desde 1500. Os ministros do TCU estão obrigados a impedi-lo. Embora nomeados pelo Planalto, todos têm como patrão a sociedade. Devem obediência aos brasileiros que pagam as contas. Todas, inclusive os salários do Tribunal de Contas.