Artigo de Bolívar Lamounier, publicado originalmente na página do autor em EXAME.com. Para acessá-lo, clique aqui.
12.06.2011 - 11h35
Bolívar Lamounier
O sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor de alguns dos mais conhecidos estudos de ciência política no país. Seu livro mais recente, A Classe Média Brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade, escrito com Amaury de Souza, foi lançado este ano pela Editora Campus.
12.06.2011 - 11h35
Parece-me plausível afirmar que um determinado país contém um potencial autoritário digno de atenção quando as seguintes condições se apresentam conjuntamente:
1) um líder carismático que não compreende, desdenha ou tem propensão a agredir os mecanismos institucionais da democracia; digo “líder carismático” para abreviar o raciocínio, mas é lógico que nenhum líder atua sozinho ; em geral, ele detém o controle de um partido de massas e mantêm à sua sombra aliados que se encarregam de pensar num projeto de poder de médio ou longo prazo;
2) um alto índice de aprovação a esse líder entre os cidadãos de menor renda e menos escolarizados; na escala de preferências desses eleitores, o que mais interessa é o poder aquisitivo (e os benefícios governamentais, no caso dos muito pobres);
3) a democracia pode até ser aprovada em abstrato, mas não é uma prioridade; suas instituições são pouco compreendidas, tanto menos quanto mais baixo o nível de escolaridade; a corrupção na esfera pública e a necessidade de combatê-la também não são bem compreendidas; nos estratos de baixa escolaridade, a rigor nem se pode dizer que a probidade nos assuntos públicos seja um valor;
4) pelas razões acima, o líder carismático não perde – ao contrário, ganha popularidade na medida em que se sobreponha ao Legislativo e ao Judiciário, e os agrida;
5) tudo o que foi dito até aqui se torna mais grave se o Legislativo e o Judiciário estiverem mediocrizados e corroídos pela corrupção (ou pela reputação de serem corruptos, o que dá no mesmo);
6) não há uma oposição forte; ou, dito de outro modo, a oposição passa por uma fase de aguda debilitação;
7) organizações que teoricamente poderiam funcionar como contrapesos ( sindicatos, igrejas, entidades empresariais, associações profissionais e universidades, principalmente) deixam-se cooptar ou são neutralizadas;
8 ) grande parte das classes média e alta não compreende a necessidade de se contrapor à tendência autoritária embutida na situação que estou descrevendo; pior ainda, uma parcela importante dessas camadas retira seu apoio à oposição, aprofundando dessa forma o enfraquecimento referido no item (6);
9) o risco autoritário pode ser alto mesmo se o mencionado líder não ocupa uma posição formal de poder; ele pode, por exemplo, fazer sombra ao chefe de Estado formal, faturando parte de seus êxitos e pintando-o como responsável exclusivo por eventuais fracassos;
10) para as nove condições acima se tornarem letais, o que falta, basicamente, é uma ideologia mobilizadora, de tendência totalitária; na ausência desse tipo de ideologia, a conquista dos corações e mentes só poderá se dar de forma gradual, à medida em que organizações coordenadas pelo líder ou simpáticas a seus propósitos consigam penetrar e estabelecer sua própria “verdade” nos meios educacional, cultural, clerical, militar etc.
APROVEITO PARA INFORMAR ABAIXO OS RESULTADOS DA ÚLTIMA PESQUISA DATAFOLHA
(Trecho transcrito da Folha de S. Paulo de hoje)
“No auge da crise que derrubou Antonio Palocci da Casa Civil, o ex-presidente Lula foi a Brasília para tentar estancar a primeira grande crise política do governo de sua sucessora, Dilma Rousseff.
Para 64% dos brasileiros, Lula deveria mesmo participar das decisões de Dilma. Quatro de cada cinco pessoas acreditam inclusive que o ex-presidente já esteja fazendo exatamente isso.
Segundo pesquisa Datafolha realizada na quinta e na sexta passadas, são os menos escolarizados no país os que mais defendem a participação de Lula nas decisões do governo -69% na faixa do ensino fundamental.
Esse quadro se inverte entre os brasileiros que têm ensino superior (45% acreditam que Lula deveria participar, ante 53% que dizem que não deveria) e entre os mais ricos (41% a 58%).
No Nordeste, região em que o ex-presidente mantinha suas mais altas taxas de popularidade, 71% afirmam que ele deveria participar, ante 27% que têm opinião oposta. No Sul, uma porção menor (54%) é favorável à intervenção de Lula no governo Dilma Rousseff”.
O sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor de alguns dos mais conhecidos estudos de ciência política no país. Seu livro mais recente, A Classe Média Brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade, escrito com Amaury de Souza, foi lançado este ano pela Editora Campus.