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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Palocci e a debilitação do governo: cuidado, Dra. Dilma, o efeito pode transformar em causa.

Artigo de Bolívar Lamounier, publicado originalmente na página do autor, em EXAME.com. Para acessá-lo, clique aqui.

06.06.2011 - 19h43



Posso estar errado, mas acho que Dilma Rousseff não é uma consumidora habitual de livros sobre a história política brasileira e muito menos sobre a de outros países. Acredito que ela teria bastante a ganhar se adquirisse tal hábito.
Pela história dos Estados Unidos, por exemplo, ela teria entendido muito melhor uma reflexão comum entre os ex-presidentes norte-americanos: a de que o poder é por natureza  solitário.
Essa lembrança veio-me à memória devido aos relatos que li na imprensa acerca do fim de semana da presidente. Pude imaginá-la agarrada por horas a fio ao telefone, meticulosa como ela é, ouvindo todas as pessoas relevantes de seu entorno antes de tomar sua decisão sobre o ministro Palocci.
Demito? Não demito? Por que sim? Por que não?
Quem sou eu para questionar tal método. Ouvir é sempre bom, ainda mais numa questão de tal magnitude. O problema é que o ouvir não é isento de implicações e conseqüências. Primeiro, aqueles a quem ouvimos poderão nutrir expectativas conflitantes pelo fato de terem sido ouvidos. Segundo, e mais complicado, o próprio governante pode subestimar a solidão em que objetivamente se encontra.
No episódio da votação do Código Florestal, Lula teve uma idéia das mais infelizes. Percebendo a debilidade política de sua pupila, foi correndo tentar ajudá-la. Mas sua presença em Brasília não serviu para rigorosamente nada. Só fez debilitá-la ainda mais.
Lula o que fez foi pintar em cores vivas o que em preto e branco ninguém ignora: a inexperiência da candidata que ele inventou e conseguiu instalar na presidência. De agora em diante, é óbvio que ambos precisarão se cuidar, pois a percepção será cada vez mais a de que  o governo brasileiro é exercido através de um esdrúxulo regime bi-presidencial.
Este é o meu ponto. Um presidente pode consultar quem ele quiser, sobre o assunto que quiser, mas não tem o direito de se iludir quanto à essencial solidão de sua responsabilidade decisória.
Neste último fim de semana, Dilma conseguiu que Lula não fosse a Brasília. Mas teria dele ouvido, conforme noticiou o jornalista Josias de Souza, que “não se pode abandonar um companheiro em dificuldades”. E deve ter sido isso mesmo, porque essa é uma boa síntese da teoria constitucional inaciana: o governo como uma ação entre amigos.
Mas a teoria rousseffiana, qual é? Eis o que o país está ansioso por saber.
Consta que Dilma teria decidido esperar o posicionamento do Procurador-Geral. Se ele não encontrar indícios de crime,  bola prá frente: Palocci fica no cargo. Caso contrário, Dilma o afasta temporariamente, como fez Itamar no episódio Hargreaves.
Já é alguma coisa. Melhor que nada. Mas seria de bom alvitre a presidente atentar para a distância sideral que separa as duas situações. Comparado a Palocci, Hargreaves foi um ministro quase clandestino. Quando Itamar o levou para a  Casa Civil, ele era (e continuou) um ilustre desconhecido. Passou pela cena sem dizer palavra.
Palocci é bem o oposto: um político ativo, atuante, diria até um tanto notório. Goza de ótima reputação junto ao grande empresariado, mas a parcela dos cidadãos comuns que o conhece associa-o sobretudo a práticas mal explicadas na prefeitura de Ribeirão Preto e à violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo.
Do ponto de vista pecuniário, Hargreaves não parece ter enriquecido nem antes, nem durante e nem depois de sua passagem por Brasília. Também aqui, a julgar pelo que se tem noticiado e que ele mesmo admitiu na entrevista à Rede Globo, Antonio Palocci tornou-se um exemplo de inusitada prosperidade.
Salvo melhor juízo, o que acima vai exposto sugere alguns dos pontos que Dilma Rousseff  haverá de ponderar na solidão de seu escritório no Palácio do Planalto.
A imagem do Estado que ela deseja encarnar é a de uma ação entre amigos? Faz sentido esperar o pronunciamento do Procurador-Geral, sabendo-se que para o cidadão comum a história contada por Palocci na televisão não passa de um conto da carochinha?
E, não menos importante, está ela disposta a queimar de maneira quiçá irreversível o capital de credibilidade que vinha construindo em seus primeiros quatro meses de governo?