Artigo de João Ubaldo Ribeiro, no Estadão deste domingo. Para ler o original, clique aqui.
19 de junho de 2011 | 0h 00
João Ubaldo Ribeiro - O Estado de S.Paulo
19 de junho de 2011 | 0h 00
João Ubaldo Ribeiro - O Estado de S.Paulo
Procurando num calendário eletrônico este domingo, dia 19 de junho, me bati por engano com o 19 de julho e a informação de que é o Dia Nacional do Futebol, como se aqui os outros dias do ano também não fossem do futebol. O legislador que o instituiu devia estar pensando em criar um feriado ou, unindo a diversão aos negócios, obter verbas e cargos para uma Comissão dos Festejos do Dia Nacional do Futebol, participar com a família de viagens de trabalho à sede da Fifa na Europa, manter talvez algumas ONGs e diversas bocas-livres à custa do erário e, enfim, perseguir os objetivos com que se costuma legislar entre nós. A experiência induz a crer que alguém pegou, pega e pegará alguma grana com o Dia Nacional do Futebol, é isso mesmo, faz parte da nossa afamada realidade. Não é hoje, é daqui a um mês, mas não pude resistir ao comentário, que não vou poder fazer no dia exato.
E logo passando ao assunto que já tinha escolhido, lembro que nunca abordei aqui os efeitos da criação do Ministério da Pesca no cotidiano de Itaparica. Falha minha, pois a pesca é sempre do interesse de quem vive cercado pelo mar. O efeito principal foi muito bonito, segundo me contam. Afazeres outros me impediram de acompanhar os acontecimentos, mas dizem que os itaparicanos e seus vizinhos de Recôncavo mais uma vez mostraram como sabem prestigiar e apoiar as iniciativas do governo, quando estas visam a melhorar as condições de vida da sofrida população local.
Talvez eu erre algum detalhe e com certeza errarei nos números, mas não nos fatos básicos. Dizem que o Ministério da Pesca criou um subsídio para os pescadores profissionais, a fim de prover o sustento deles, nos meses em que a pescaria de certas espécies fica proibida. O sucesso foi estrondoso e, dentro em pouco, havia, segundo me contaram, mais de setenta mil pescadores de carteirinha na ilha e redondezas, recebendo uns trocados do governo. Deve ser exagero de quem me falou, mas circulam rumores de que várias famílias registraram até meninos ainda na barriga da mãe, porque, no mês em que nascessem, ia ter proibição de pesca e assim ele já nascia pescador e coberto pela lei. Comentam também que Iô Rufino, que não enxerga nada há uns 30 anos, nunca pescou, não gosta de peixe e diz o povo que já inteirou 112 anos, recebe o dinheirinho dele. Ou recebia, porque parece que algum intrometido achou que tinha pescador demais nessa história e agora o ministério está revendo os subsídios e a grana secou. Não houve revolta, houve apenas a confirmação de que o que é bom dura pouco e pobre é assim mesmo: quando está levando uma vantagenzinha, vem um desinfeliz lá de cima e tira tudo.
Talvez tenha sido por isso que a recente mudança de titular no Ministério da Pesca não tenha chamado muito a atenção no bar de Espanha. Aliás, ninguém sabia ainda do fato, até que Zecamunista apareceu com um jornal e contou as novidades. O ministro das Relações Institucionais agora era o ministro da Pesca e a ministra da Pesca agora era a ministra das Relações Institucionais. Indagado sobre se relações institucionais era o nome de algum peixe federal, Zeca respondeu que até não duvidava, mas não havia pesca nenhuma envolvida na história.
- Não é uma questão de pesca, é uma questão de ministério - explicou ele. - Primeiro vem a colocação, depois a função, o importante é a colocação.
- Mas o ministro não tem de entender do ministério dele?
- Absolutamente. Quer dizer, logo de primeira, não. Eu já soube que o primeiro serviço desse novo ministro da Pesca vai ser uma turnê pelos grandes aquários do mundo, para ele ver pessoalmente os peixes. E, se fosse outro, faria a mesma coisa. Eu já tentei explicar isso a vocês e vocês não entendem. Nesse governo, todo mundo brinca nas 11. O negócio não é ser atacante ou goleiro, o negócio é estar em campo. Em que posição não interessa, isso é coisa de quem acredita na imprensa burguesa. O que interessa é o quanto, é assim que a política funciona aqui. Tanto assim que quase nenhum dos ministros entende nada da área do ministério dele, isso não tem nada a ver, é uma questão de democracia. Eles são muito democratas uns com os outros. Um bocadinho para você aqui, um bocadinho para você aí, mais este pedacinho para você, mais este outro pedacinho para você. Aliás, é nisso que a ministra das Relações Institucionais vai trabalhar, ela vai ficar fazendo o rodízio dos pedacinhos, uma espécie de rodízio de pizza. Vai sempre tendo um giro, a depender da situação, e sempre se pode criar um ministério novo para criar novos cargos. Mais um ministério, menos um, ninguém repara. Dá para todo mundo.
- Dá para todo mundo, não, para o pescador não dá nada. Agora mesmo tiraram aquela merrequinha que vinha uma vez ou outra, está todo mundo na saudade. Entra governo, sai governo, é a mesma coisa. E Lula, que é que está fazendo, uma hora destas?
- Nem me pergunte, que eu não quero saber.
- Mas você não disse que ele continua presidente?
- É, mas é modo de dizer. Não existe um cargo para ele.
- O cargo de rei está ocupado?
- O cargo de rei? Bem, não, o cargo de rei...
- Então a solução está aí. Lula de rei! E aí ele manda pagar, mandar pagar é com ele mesmo. Pronto aí, dá para todo mundo tirar sua lasquinha! Lula rei, no comando dessa turma toda! Por que você fez essa cara apavorada, está achando que é maluquice minha?
- Não, pelo contrário, pelo contrário.