Artigo de Bolívar Lamounier, publicado originalmente na página do autor, em EXAME.com. Para acessá-lo, clique aqui.
30.05.2011 - 17h31
30.05.2011 - 17h31
A duras penas, o PSDB finalmente conseguiu superar seu impasse interno na convenção do último sábado. O grupo de Aécio Neves ficou com a parte do leão, mas José Serra ficou com uma posição relevante, dirigindo o recém-criado Conselho Político.
Não me perguntem se essa unidade “num patamar superior” vai dar uma boa liga oposicionista, ou se vai agüentar o tranco até 2014. São indagações prematuras.
O comentário que hoje me ocorre fazer é sobre uma percepção bastante comum na imprensa acerca do tucanato. O leitor desavisado é bem capaz de acreditar que o PSDB é o único partido com problemas internos. O palavreado começa com “divisões e rivalidades”, sobe para “umbigos”, “vaidades” e “ambições” e logo atinge um patamar chamado “crise”. Em linguagem aeronáutica, isso é uma “razão de subida” deveras formidável.
Estarei eu dizendo que não há nada disso, que é tudo invenção da imprensa? De jeito nenhum. Atribuir tudo o que possa haver de mal à imprensa é uma arte que eu não domino; melhor dizendo, é uma arte que eu abomino.
Sim, contraposições e até arestas sempre existiram entre líderes tucanos. Como em todos os partidos, sem exceção: eis o ponto que a meu ver a imprensa nem sempre destaca com a devida ênfase.
Tomemos o caso do PMDB… Será que precisamos mesmo discuti-lo? Vou apenas lembrar que em 2006 o partido se reuniu em Brasília para decidir se apoiava ou não o governo Lula. A pancadaria eles conseguiram evitar, mas decisão propriamente não houve. Sabem por que? Muito simples: a querela foi parar na Justiça e de lá não saiu até hoje.
Do PT, o glorioso Partido dos Trabalhadores, costumava-se dizer que era o único partido “autêntico” no Brasil. Nessa lenda até o empresariado acreditava. Autenticidade e coesão, assim seria o PT, que se teria alçado a essa invejável condição graças à sua organização e sobretudo ao fato de possuir uma ideologia.
A realidade, como hoje sabemos, é bem outra. O que de fato unifica ou pelo menos disfarça os conflitos internos do PT é a existência de um líder capaz de transformar qualquer coisa em votos. Não cabe aqui uma análise dessa capacidade, ou desse “carisma”- termo preferido por certos deslumbrados. Se Lula não fosse nesse aspecto um ponto fora da curva, ou se a direção efetiva do partido já tivesse passado à segunda geração, aí sim, poderíamos ter uma medida adequada da coesão petista.
Mesmo hoje, no entanto, uma diferença importante pode e deve ser apontada entre tucanos e petistas. Os primeiros se dividem em função de perfis individuais (sim, há vaidades), de projetos político-eleitorais (Serra x Aécio) e, em certa medida, de conteúdos programáticos (Fernando Henrique algo mais “liberal” que Serra ou Aécio). São, como se vê, divisões perfeitamente legítimas – a não ser para utópicos incuráveis, desses que vêem ilegitimidade em toda e qualquer atividade política.
No PT, as disputas são de que natureza, exatamente? Primeiro, diferentemente das que grassam no PSDB, elas não são perceptíveis a olho nu. Para apreendê-las e bem entendê-las, é preciso ser expert em PT. A “petelogia” é uma especialidade, não na mesma escala, mas no mesmo sentido em que o era a “kremlinogia” dos velhos tempos soviéticos.
A poucos dias do segundo turno, como todos se lembram, José Dirceu mandou um aviso curto e grosso à quase-presidente Dilma: os precedentes 8 anos haviam sido o governo “de Lula”, agora seria o governo “do PT”. Governo “do PT”, para bom entendedor, significava governo apoiado nas correntes internas do partido, a mais importante das quais segue há bastante tempo a liderança… do próprio José Dirceu.
Mas tendo Dirceu sido apontado como “chefe de uma organização criminosa” – e estando por essa razão na condição de réu num processo em curso no STF -, a presidente-eleita não teria como aproveitá-lo num cargo formal. O poder que ele sabidamente detém teria que ser exercido por condutos informais, por natureza difusos, de difícil percepção pelo observador não especializado. E eis que Dilma, ao formar sua equipe, transforma ou tenta transformar Antonio Palocci num espécie de Grão-Vizir ou Cardeal Richelieu: um todo-poderoso chefe da Casa Civil.
Entre os “petelogistas” que conheço, há quem veja a situação a que acima me referi como uma verdadeira falha de Andrews no PT . Por não se apreciarem muito no plano pessoal, por nutrirem ambições de poder conflitantes ou por encarnarem conteúdos programáticos inconciliáveis, Dirceu e Palocci repelem-se como camadas geológicas em portentoso atrito.
Não disponho de elementos para afirmar se a mencionada clivagem geológica tem algo a ver com as recentes revelações acerca da variação patrimonial de Antônio Palocci. E nem preciso dessa informação para concluir meu argumento.
O que tentei fazer foi tão-somente ressaltar a existência de disputas ao que parece até mais virulentas no PT que no PSDB, não obstante a imagem do primeiro como um grupo unido no mais aconchegante altruísmo e do segundo como um amontoado de vaidades em perpétua combustão.
Bolívar Lamounier
O sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor de alguns dos mais conhecidos estudos de ciência política no país. Seu livro mais recente, A Classe Média Brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade, escrito com Amaury de Souza, foi lançado este ano pela Editora Campus.
O sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor de alguns dos mais conhecidos estudos de ciência política no país. Seu livro mais recente, A Classe Média Brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade, escrito com Amaury de Souza, foi lançado este ano pela Editora Campus.