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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Mudando um pouco de assunto: Mark Knopfler


O som possui 4 propriedades: altura, volume, timbre e intensidade. Numa aula de teoria musical, há muitos anos, no teatro São José, aqui em Piracicaba, o professor ao explicá-las, se ateve à última. Dizia ele que ela é que conquistava o ouvinte, que "mexia" de alguma forma com as pessoas. Dizia que o músico que não dominasse esta propriedade do som em seu instrumento ainda não estava pronto. Um amigo, grande guitarrista, costumava dizer, nas mesas de boteco, sobre a mesma, que era ela o que os críticos chamavam de feeling. Não sei se ele bebia demais ou se os críticos bebiam de menos.



Quando ouvi, pela primeira vez, Tunnel of Love, música do terceiro álbum do Dire Straits, lembrei-me da explicação do professor. Faz muitos anos e até hoje considero uma composição exemplar. Gosto muito da forma desta música, do desenvolvimento do tema, do encadeamento harmônico, do ritmo sempre oscilando de intensidade. Ela segue  com pequenas paradas rítimicas e retoma até certo ponto onde vai esmaecendo, próximo do final, indo ao mínimo num dado momento, quase ao silêncio, e volta crescendo lentamente, para desembocar no solo final. É isto que mexe com o ouvinte, e quem já esteve numa platéia, num estádio, sabe o efeito disto. 



Mark Knopfler tem esta característica entre muitas outras. Sabe trabalhar como poucos a intensidade do som. 

Dos anos 90 para cá, uma geração inteira de guitarristas, passaram a privilegiar acrobacias técnicas e uma velocidade inimaginável em detrimento da musicalidade. Lamento mas, como costumava dizer meu amigo querido, mais valia um bend do David Gilmour ou um vibrato do B. B. King, do que 12 compassos  de sextinas, com o metrônomo a 140 pbm's de um John Petrucci. Se John Petrucci já não é ninguém hoje, perdôem-me, mas depois dele não me interessei por conhecer o trabalho de nenhum outro destes virtuoses. Ainda prefiro ouvir uma única nota de Mark Knopfler. 




Para deleite dos fãs, ele usa e abusa de diversos clichês de que dispõe um guitarrista, enchendo seus solos de bends, vibratos, arpegios, tríades e harmônicos, mas sempre oscilando na intensidade, mexendo até com a respiração do ouvinte em alguns momentos. É técnica à serviço da música. É melodia e harmonia. Um músico que serve a arte e não o contrário. 



Mark Knopfler divide com outro monstro das seis cordas, Jeff Beck, a característica peculiar de usar os dedos da mão direita, e não uma paleta, para tocar as cordas da guitarra ou do violão. Com isto num curto trecho melódico, dentro do mesmo compasso, consegue executar 3 curtas e suaves notas de passagem que desembocam num bend vigoroso e longo, praticamente fazendo o ouvinte se levantar. Ouça Brothers in Arms e entenderá do que estou falando.





Ele nunca escondeu suas diversas influências, que vão desde músicas folclóricas e tradicionais da Irlanda, da Escócia e da Inglaterra, ao folk, blues e jazz norte-americanos, numa salada temperada com um estilo único e inconfundível. Nem preciso falar da voz particularíssima.


Numa entrevista, ele chegou a afirmar que gostava de assistir na TV programas sobre a natureza, com a guitarra ou o violão no colo. Dizia se inspirar nas paisagens, buscando notas que combinassem. Especulo que isto o tenha levado a enveredar pelo cinema, escrevendo trilhas sonoras tão boas quanto as músicas que compôs ao longo dos anos para o Dire Straits e para sua carreira solo.


Deixo como dica, seu último álbum, Get Lucky, lançado em 2009, tão bom quanto qualquer outro lançado pelo Dire Straits. Abaixo o clipe oficial de Cleaning my Gun.