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sexta-feira, 1 de julho de 2011

Seis meses de governo: Dra. Dilma, Dra. Dilma, abre o olho

Artigo de Bolívar Lamounier, publicado originalmente na página do autor em Exame.com.

01.07.2011 - 17h11



No dia 10 de junho eu escrevi que o quadro político brasileiro estava ficando esquisito. Com a presidente se debilitando a olhos vistos, sua base de apoio em frangalhos e as oposições sem condições de encarnar uma agenda alternativa, o país parecia caminhar para uma acefalia precoce.
Decorridas mais três semanas, eu estou menos tenso (andei tomando água com açúcar), mas ainda vejo motivos de preocupação.O  que me preocupa não é este ou aquele projeto, esta ou aquela trapalhada, mas o conjunto. Penso que Dilma Rousseff  não se livrou totalmente do risco de um desgaste profundo.
Resumidamente, o problema é que o governo Dilma não tem uma “marca”, uma identidade, prática ou simbólica; nada há nele que se assemelhe a um programa, um pensamento ou mesmo uma atitude. A presidente não parece compreender que governar é tomar decisões; não é uma pessoa propriamente carismática; já não conta com o calor das urnas; não tem uma agenda positiva para o relacionamento com o Congresso e tampouco um esquema eficiente de articulação política. Conta com uma base parlamentar numerosa, mas daquele tipo que ninguém de bom senso visita sem um kit anti-cobra ao alcance da mão.
No começo do ano, como comentei em posts anteriores, o Brasil de repente acordou simpatizando com a Dra. Dilma. Não que ela tivesse dito ou feito alguma coisa cativante ou graciosa; o que ocorreu foi apenas uma sensação de alívio com a saída de um presidente que falava demais e a entrada dela, falando de menos.
Com a mencionada melhora na condutibilidade atmosférica de sua imagem, bastou-lhe esboçar alguns posicionamentos para as camadas “ilustradas” da opinião pública  caírem nos braços dela. Aqui eu me refiro à dura que ela deu no governo iraniano e ao anúncio da intenção de privatizar a construção de novos terminais aeroportuários.
No caso dos terminais, todo mundo entendeu que não se tratava de uma súbita conversão ao “neoliberalismo” (no jargão petista), mas tão-somente  de uma   rendição pragmática ao cronograma da Copa e da Olimpíada. De fato, se a única alternativa  fosse o dinheiro público, seria melhor pedir desculpas à Fifa e ao Coi e bater em retirada (o que, aliás, não me parece uma má idéia, mesmo havendo recursos privados e uma eficiência fora do comum na provisão das estruturas e serviços necessários).
Até aquele ponto, como comecei a dizer, Dilma deu a impressão de estar  pronta para a decolagem, mas nem deu para comemorar: no momento seguinte ela parecia ter entrado em queda livre.
Da coordenação política e das relações com o Congresso, eu nem preciso falar. Derrotas acachapantes, Lula se intrometendo e cobranças fisiológicas um tanto despudoradas conscientizaram a presidente de que em muitas ocasiões ela terá que escolher entre recuar ou recuar.
Na Realpolitik meio rombuda que se pratica atualmente no Planalto Central, quem ousa falar em valores, símbolos e legitimidade acaba passando por muito velho, muito louco ou totalmente ingênuo. Eu porém me atrevo a dizer que uma postura ética claramente definida teria poupado à Dra. Dilma o desgaste a que ela foi submetida no affair Palocci. Digo mais: daquele limão, ela poderia ter feito uma limonada. Para afirmar a sua própria estatura moral, bastar-lhe-ia se desfazer da visão petista da política como uma ação entre amigos e exorcizar a assombração de seu mentor.
Bastava-lhe agir como um verdadeiro chefe de Estado,  fazendo, por exemplo, o que fez aquele suposto “caipira”, Itamar Franco, que simplesmente afastou o seu ministro alvejado por acusações até o assunto ficar esclarecido. Foi uma pena a Dra. Dilma não ter feito isso. Em sua passividade, esperando a tempestade passar, o que ela fez foi evidenciar   sua inapetência para tomar decisões; e de quebra – deixando-se ficar à espera do relatório do Procurador-Geral -,  protagonizar mais um episódio da deletéria “judicialização” da política.
Dilma Rousseff também não disse a que veio no que toca à política econômica. Querendo maximizar ao mesmo tempo todos os objetivos concebíveis, ela se arrisca a dar com os burros n’água em todos.
O pior, no entanto, é seu apego a uma concepção de política industrial que a cidadania rejeita com crescente ênfase. Aqui eu evidentemente me refiro àquela prática que o Brasil conhece desde priscas eras: pick the winner; escolha o governo quem haverá de vencer. Às favas o mercado, o marco regulatório, os contratos  e o “sonho” de um arcabouço jurídico estável.Empresário bem sucedido é empresário apoiado pelo governo, tratado a pão-de-ló pelo BNDES, agraciado com socorros providenciais e juros de pai para filho. A empresa séria, em condições de fazer um grande investimento, que confiança vai ter num país em que as regras do jogo podem ser alteradas de uma hora para outra por fiat político, em nome do “interesse nacional”?
Mas nem tudo são espinhos. Outro dia, no aniversário de 80 anos do presidente Fernando Henrique, Dilma enviou-lhe uma respeitosa mensagem de cumprimentos. Respeitosa, simpática…, ou um pouco mais que isso.
Eu diria mais que respeitosa e simpática, por duas razões. Primeiro, porque nela a presidente quebrou um tabu. Disse com todas as letras o que os lulopetistas parecem ter medo de dizer: que sem a estabilização levada a cabo pelo governo FHC,  nada do que aconteceu de positivo nos oito anos de Lula teria acontecido.
Segundo, porque Dilma Rousseff demonstrou apreço pela liturgia da vida pública. Escrever isso é um tanto embaraçoso, visto haver quem pense de forma diferente, mas Dilma, ao enviar sua mensagem, demonstrou  compreender que política não é guerra; que, numa democracia que se quer digna deste nome, o relacionamento entre as autoridades deve pautar-se por uma atitude de cordialidade e respeito mútuo.
Entendo, portanto, que a mencionada mensagem era portadora de significados importantes. Se eu estiver certo, alvíssaras! Apesar do momento de debilidade que está atravessando, a presidente tem condições de assumir em sua plenitude o cargo a que foi conduzida pela maioria dos eleitores.

Bolívar Lamounier
O sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor de alguns dos mais conhecidos estudos de ciência política no país. Seu livro mais recente, A Classe Média Brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade, escrito com Amaury de Souza, foi lançado este ano pela Editora Campus.