Um quadro num programa de televisão que foi ao ar neste último domingo, levantou novamente uma velha discussão: pessoas que compram um determinado produto e assinam o contrato sem ler devidamente, transferindo ao vendedor a responsabilidade pela escolha.
Eu sei que se trata de um assunto complexo, mas não vou enveredar pelo lado jurídico da questão. Vou ficar apenas no foco comercial que é o que mais me interessa e preocupa. Numa época em que uma infinidade de artigos, livros, vídeos, palestras e demais ações motivacionais por parte das mais diversas empresas focam, e alguns até chegam a afirmar dar a receita para o sucesso em vendas, transformando vendedores em campeões superpoderosos e invencíveis, às vezes usando algumas alegorias que beiram o ridículo, tratando o assunto de forma caricatural, me preocupa o fato de alguns vendedores não atentarem para a questão da responsabilidade.
Quem tem seu cotidiano mergulhado em outras atividades ligadas a administração, geralmente desconhece a realidade da situação. Quem trabalha em processos de Qualidade então, se espanta. Porque entendem que existe uma lógica a ser seguida e naturalmente todos agem assim. Mas a cabeça do consumidor é mais complexa do que isto e lidar com ela exige atenção se o vendedor não quiser se envolver em problemas graves. O contraponto entre a meta establecida pela empresa ao seu desempenho e a responsabilidade civil do vendedor pode colocá-lo numa situação complicadíssima se ele não tiver discernimento e usar o bom senso.
O consumidor é motivado por diversos fatores, entre eles a necessidade e o desejo. Quando o primeiro predomina ele costuma agir com mais razão e cautela, mas quando o mesmo é movido predominantemente pelo desejo, pelo "sonho de consumo", o vendedor, motivado para o resultado, que não raciocinar tem grandes chances de ganhar uma comissão e uma tremenda dor de cabeça futura.
No mercado imobiliário, onde eu atuo, é muito comum que pessoas, com o sonho da casa própria em mente, se deixem levar pela empolgação da possibilidade de concretizar este sonho, e inibam ou até anulem a razão do precesso decisório. Outros consumidores, naturalmente inseguros, são incapazes de tomar uma decisão se não forem "empurrados" para ela, ou seja transferem ao vendedor a responsabilidade pelo "sim" ou "não" na hora do fechamento. Em todos os casos, muitos consumidores, sem paciência, acabam por assinar um contrato sem lê-lo de forma adequada, "confiando" que o vendedor está agindo de boa fé. Nem vou cogitar o risco de clientes que simplesmente não tem capacidade de compreender o que estão lendo e necessitam assim de uma atenção muito especial e paciente do vendedor, que geralmente de olho na meta, não está disposto a dar.
O vendedor tem obrigação de ler, compreender e saber explicar cada detalhe, minuciosamente, do contrato de venda do seu produto, seja qual for. Isto é fundamental para evitar o arrependimento ou a insatisfação do cliente. Acreditar que este arrependimento ou insatisfação são possibilidades inerentes e talvez inevitáveis do negócio, e que para resolver isto existem os tribunais é literalmente "tapar o sol com a peneira". O vendedor não deve achar que está resguardado, pois não está, nem por parte de gerentes nem de empresas.
O vendedor responsável, sabe o que está vendendo, as condições do negócio e, acima de tudo, tem a capacidade de esclarecer tudo isto serenamente ao cliente, fazendo juz à sua comissão e ao seu sono tranquilo.